Na tarde desse sábado, 5/9, Dom Josafá participou de uma roda de conversa, juntamente com o Presidente do Conselho Nacional de Leigos do Brasil, na Arquidiocese, Marcelo Costa e Luciano Caparroz, em preparação ao Grito dos Excluídos desse ano de 2020.
Com tema, “A vida em primeiro lugar, Basta de miséria, preconceito e repreensão. Queremos trabalho, terra, teto e participação”. o Grito, busca reivindicar o valor da vida em todos os seus estágios.
O Grito se propõe a superar um patriotismo passivo em vista de uma cidadania ativa e de participação, colaborando na construção de uma nova sociedade, justa, solidária, plural e fraterna. O Dia da Pátria, além de um dia de festa e celebração, vai se tornando também em um dia de consciência política de luta por uma nova ordem nacional e mundial. É um dia de sair às ruas, comemorar, refletir, reivindicar e lutar. As organizações sociais, partidos, associações, entidades civis e religiosas se unem para defender a vida humana, em todas as suas dimensões, construindo alternativas que fortaleçam, organizem e mobilizem os/as excluídos/as a lutar por uma nova sociedade.
A minha contribuição é simples. Eu cito alguns textos do ensinamento da Igreja, sobretudo, dos Papas, São João Paulo II e Papa Francisco, sobre o tema e algumas palavras de ordem que giram em torno deste.
«A vida em primeiro lugar»
“Mesmo por entre dificuldades e incertezas, todo o homem sinceramente aberto à verdade e ao bem pode, pela luz da razão e com o secreto influxo da graça, chegar a reconhecer, na lei natural inscrita no coração (cf. Rm 2, 14-15), o valor sagrado da vida humana desde o seu início até ao seu termo, e afirmar o direito que todo o ser humano tem de ver plenamente respeitado este seu bem primário. Sobre o reconhecimento de tal direito é que se funda a convivência humana e a própria comunidade política.
De modo particular, devem defender e promover este direito os crentes em Cristo, conscientes daquela verdade maravilhosa, recordada pelo Concílio Vaticano II: « Pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-Se de certo modo a cada homem ». [2] De facto, neste acontecimento da salvação, revela-se à humanidade não só o amor infinito de Deus que « amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único » (Jo 3, 16), mas também o valor incomparável de cada pessoa humana” (São João Paulo II, Evangelium vitae, n. 2).
A igreja deplora os múltiplos atentados contra a vida
« Tudo quanto se opõe à vida, como seja toda a espécie de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as condições degradantes de trabalho, em que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis. Todas estas coisas e outras semelhantes são infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem, do que os que padecem injustamente; e ofendem gravemente a honra devida ao Criador » (GS n. 27).
A necessidade de defender o trabalho – Laudato Si
124. Em qualquer abordagem de ecologia integral que não exclua o ser humano, é indispensável incluir o valor do trabalho, tão sabiamente desenvolvido por São João Paulo II na sua Encíclica Laborem excercens.
128. Somos chamados ao trabalho desde a nossa criação. Não se deve procurar que o progresso tecnológico substitua cada vez mais o trabalho humano: procedendo assim, a humanidade prejudicar-se-ia a si mesma. O trabalho é uma necessidade, faz parte do sentido da vida nesta terra, é caminho de maturação, desenvolvimento humano e realização pessoal. Neste sentido, ajudar os pobres com o dinheiro deve ser sempre um remédio provisório para enfrentar emergências. O verdadeiro objectivo deveria ser sempre consentir-lhes uma vida digna através do trabalho. Mas a orientação da economia favoreceu um tipo de progresso tecnológico cuja finalidade é reduzir os custos de produção com base na diminuição dos postos de trabalho, que são substituídos por máquinas. É mais um exemplo de como a ação do homem se pode voltar contra si mesmo. A diminuição dos postos de trabalho «tem também um impacto negativo no plano económico com a progressiva corrosão do “capital social”, isto é, daquele conjunto de relações de confiança, de credibilidade, de respeito das regras, indispensável em qualquer convivência civil».[104] Em suma, «os custos humanos são sempre também custos económicos, e as disfunções económicas acarretam sempre também custos humanos».[105]Renunciar a investir nas pessoas para se obter maior receita imediata é um péssimo negócio para a sociedade.
129. Para se conseguir continuar a dar emprego, é indispensável promover uma economia que favoreça a diversificação produtiva e a criatividade empresarial. Por exemplo, há uma grande variedade de sistemas alimentares rurais de pequena escala que continuam a alimentar a maior parte da população mundial, utilizando uma porção reduzida de terreno e de água e produzindo menos resíduos, quer em pequenas parcelas agrícolas e hortas, quer na caça e recolha de produtos silvestres, quer na pesca artesanal. As economias de larga escala, especialmente no sector agrícola, acabam por forçar os pequenos agricultores a vender as suas terras ou a abandonar as suas culturas tradicionais. As tentativas feitas por alguns deles no sentido de desenvolverem outras formas de produção, mais diversificadas, resultam inúteis por causa da dificuldade de ter acesso aos mercados regionais e globais, ou porque a infra-estrutura de venda e transporte está ao serviço das grandes empresas. As autoridades têm o direito e a responsabilidade de adoptar medidas de apoio claro e firme aos pequenos produtores e à diversificação da produção.
Terra
“No início da criação, Deus criou o homem para ser guardião da sua obra, confiando-lhe o encargo de a cultivar e proteger. Vejo que estão aqui dezenas de camponeses e camponesas e quero felicitar-me com eles porque guardam a terra, cultivam-na e fazem-no em comunidade. Preocupa-me o desenraizamento de tantos irmãos camponeses que sofrem por este motivo e não por guerras ou desastres naturais. A monopolização de terras, a desflorestação, a apropriação da água, os pesticidas inadequados, são alguns dos males que arrancam o homem da sua terra natal. Esta dolorosa separação não é só física mas também existencial e espiritual, porque existe uma relação com a terra que está a pôr a comunidade rural e o seu peculiar estilo de vida em decadência evidente e até em risco de extinção” (Papa Francisco, DISCURSO DO PAPA FRANCISCO AOS PARTICIPANTES NO ENCONTRO MUNDIAL DOS MOVIMENTOS POPULARES, 28 de Outubro de 2014)
“No início da criação, Deus criou o homem para ser guardião da sua obra, confiando-lhe o encargo de a cultivar e proteger. Vejo que estão aqui dezenas de camponeses e camponesas e quero felicitar-me com eles porque guardam a terra, cultivam-na e fazem-no em comunidade. Preocupa-me o desenraizamento de tantos irmãos camponeses que sofrem por este motivo e não por guerras ou desastres naturais. A monopolização de terras, a desflorestação, a apropriação da água, os pesticidas inadequados, são alguns dos males que arrancam o homem da sua terra natal. Esta dolorosa separação não é só física mas também existencial e espiritual, porque existe uma relação com a terra que está a pôr a comunidade rural e o seu peculiar estilo de vida em decadência evidente e até em risco de extinção”
A outra dimensão do processo já global é a fome. Quando a especulação financeira condiciona o preço dos alimentos tratando-os como uma mercadoria qualquer, milhões de pessoas sofrem e morrem de fome. Por outro lado, descartam-se toneladas de alimentos. Isto constitui um verdadeiro escândalo. A fome é criminosa, a alimentação é um direito inalienável. Sei que alguns de vós pedem uma reforma agrária para resolver alguns destes problemas e, deixai que eu diga que em certos países, e aqui cito o Compêndio da doutrina social da Igreja, «a reforma agrária torna-se por conseguinte, além de uma necessidade política, uma obrigação moral» (CDSI, n. 300).
Teto
Casa. Já o disse e repito-o: uma casa para cada família. Nunca se deve esquecer que Jesus nasceu num estábulo porque não havia lugar nas estalagens, que a sua família teve que abandonar a própria casa e fugir para o Egipto, perseguida por Herodes. Hoje há tantas famílias sem casa, porque nunca a tiveram ou porque a perderam por diversos motivos. Família e casa caminham juntas! Mas um teto, para que seja um lar, deve ter também uma dimensão comunitária: o bairro, e é precisamente no bairro que se começa a construir esta grande família da humanidade, a partir daquilo que é mais imediato, da convivência com a vizinhança. Hoje vivemos em cidades imensas que se mostram modernas, orgulhosas e até vaidosas. Cidades que oferecem numerosos prazeres e bem-estar para uma minoria feliz mas nega-se uma casa a milhares de vizinhos e irmãos nossos, até crianças, e chamamo-lhes, elegantemente, «pessoas sem abrigo». Vivemos em cidades que constroem torres, centros comerciais, fazem negócios imobiliários mas abandonam uma parte de si às margens, nas periferias. Como faz mal ouvir que as povoações pobres são marginalizadas ou, pior ainda, que as querem deslocar! São cruéis as imagens dos despejos, das gruas que abatem barracas, imagens tão parecidas com as da guerra. E hoje vê-se isto.
Participação
A colaboração de todos na vida política – GS 75
“Para que a cooperação responsável dos cidadãos leve a felizes resultados na vida pública de todos os dias, é necessário que haja uma ordem jurídica positiva, que estabeleça convenientemente divisão das funções e dos orgãos da autoridade pública e ao mesmo tempo protecção do direito eficaz e plenamente independente de quem quer que seja. Juntamente com os deveres a que todos os cidadãos estão obrigados, sejam reconhecidos, assegurados e fomentados os direitos das pessoas, famílias e grupos sociais, bem como o exercício dos mesmos. Entre aqueles, é preciso recordar o dever de prestar à nação os serviços materiais e pessoais que são requeridos pelo bem comum. Os governantes tenham o cuidado de não impedir as associações familiares, sociais ou culturais e os corpos ou organismos intermédios, nem os privem da sua actividade legítima e eficaz; pelo contrário, procurem de bom grado promovê-la ordenadamente. Evitem, por isso, os cidadãos quer individual quer associativamente, conceder à autoridade um poder excessivo, nem lhe peçam, de modo inoportuno, demasiadas vantagens e facilidades, de modo a que se diminua a responsabilidade das pessoas, famílias e grupos sociais.
A crescente complexidade das atuais circunstâncias força com frequência o poder público a intervir nos assuntos sociais, económicos e culturais, com o fim de introduzir condições mais favoráveis em que os cidadãos e grupos possam livremente e com mais eficácia promover o bem humano integral. As relações entre a socialização (6) e a autonomia e desenvolvimento pessoais podem conceber-se diferentemente, conforme a diversidade das regiões e o grau de desenvolvimento dos povos. Mas quando, por exigência do bem comum, se limitar temporàriamente o exercício dos direitos, restabeleça-se quanto antes a liberdade, logo que mudem as circunstâncias. É, porém, desumano que a autoridade política assuma formas totalitárias ou ditatoriais, que lesam os direitos das pessoas ou dos grupos sociais.
Os cidadãos cultivem com magnanimidade e lealdade o amor da pátria, mas sem estreiteza de espírito, de maneira que, ao mesmo tempo, tenham sempre presente o bem de toda a família humana, que resulta das várias ligações entre as raças, povos e nações.
Todos os cristãos tenham consciência da sua vocação especial e própria na comunidade política; por ela são obrigados a dar exemplo de sentida responsabilidade e dedicação pelo bem comum, de maneira a mostrarem também com factos como se harmonizam a autoridade e a liberdade, a iniciativa pessoal e a solidariedade do inteiro corpo social, a oportuna unidade com a proveitosa diversidade. Reconheçam as legítimas opiniões, divergentes entre si, acerca da organização da ordem temporal, e respeitem os cidadãos e grupos que as defendem honestamente. Os partidos políticos devem promover o que julgam ser exigido pelo bem comum, sem que jamais seja lícito antepor o próprio interesse ao bem comum.
Deve atender-se cuidadosamente à educação cívica e política, hoje tão necessária à população e sobretudo aos jovens, para que todos os cidadãos possam participar na vida da comunidade política. Os que são ou podem tornar-se aptos para exercer a difícil e muito nobre (7) arte da política, preparem-se para ela; e procurem exercê-la sem pensar no interesse próprio ou em vantagens materiais. Procedam com inteireza e prudência contra a injustiça e a opressão, contra o arbitrário domínio de uma pessoa ou de um partido, e contra a intolerância. E dediquem-se com sinceridade e equidade, mais ainda, com caridade e fortaleza política, ao bem de todos.